Desafios e reflexões sociais: Entrevista com o Professor Luís Felipe sobre Trabalho Infantil e Mobilidade Humana

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São Paulo – O trabalho infantil e a mobilidade humana continuam a ser questões urgentes e complexas que demandam atenção global. Apesar dos avanços em políticas de proteção infantil e direitos humanos, ainda há milhões de crianças em todo o mundo envolvidas em trabalho precoce, muitas vezes em condições perigosas e desumanas. Além disso, a crescente globalização e os desafios socioeconômicos têm levado a um aumento da migração, tanto dentro dos países quanto entre fronteiras internacionais, colocando crianças e suas famílias em situações de vulnerabilidade.

Atualmente é crucial abordar essas questões de maneira holística e buscar soluções integradas que garantam a proteção e o bem-estar das crianças em todas as circunstâncias, promovendo uma abordagem que leve em consideração os direitos humanos, a justiça social e o desenvolvimento sustentável. O trabalho infantil é uma grave violação dos direitos das crianças, que compromete seu desenvolvimento físico, emocional e educacional.

A mobilidade humana, por sua vez, refere-se aos movimentos de pessoas em busca de melhores condições de vida, seja por motivos econômicos, sociais ou políticos. Ambos os temas estão interligados, já que a migração muitas vezes expõe as crianças a situações de vulnerabilidade, aumentando o risco de exploração laboral. É essencial abordar essas questões de forma integrada, visando não apenas combater o trabalho infantil, mas também promover políticas que protejam os direitos das crianças em contextos de mobilidade humana.

O Professor Luís Felipe (NEPO/UNICAMP), em seu artigo no livro “Populações Vulneráveis – Trabalho Infantil”, destaca a importância da formação acadêmica na sensibilização e preparação de profissionais para enfrentar esse desafio social. Ele enfatiza que a atuação eficaz requer conhecimento teórico, compreensão da realidade e habilidades práticas. O ITESP entrevistou o professor para saber mais sobre esse assunto que se torna tão emergente. Acompanhe:

ITESP: Professor Luís Felipe, seu artigo no livro sobre Trabalho Infantil destaca a importância das redes, parcerias e capacitação formativa para erradicar essa prática. Como você enxerga o papel da formação acadêmica, como a oferecida pelo curso de mobilidade humana do ITESP, na sensibilização e preparação de profissionais para enfrentar esse desafio social?

Luís: Este papel é central! Não existe atuação sem formação teórica, sem capacitação dos profissionais que irão trabalhar com os grupos vulnerabilizados. O curso de mobilidade humana do ITESP foi muito generoso em acolher o tema do trabalho infantil: é preciso cada vez mais transversalizar a questão migrante com outros temas sociais, como o trabalho infantil. E refletir sobre práticas como tráfico de pessoas e trabalho escravo exige, cada vez mais, incorporar o tema do trabalho infantil na agenda de formulação de políticas públicas. A formação acadêmica é essencial em cada um destes aspectos: sem teoria, sem o conhecimento dos dados da realidade, sem o domínio das técnicas de mensuração e dos instrumentos qualitativos de análise, não é possível compreender e tampouco transformar a realidade dos migrantes, dos refugiados e das crianças em situação de trabalho infantil.

ITESP: No contexto do curso de mobilidade humana do ITESP, como são abordadas as questões relacionadas ao trabalho infantil? Quais estratégias e abordagens são utilizadas para conscientizar os alunos sobre esse problema e capacitá-los para contribuir para sua erradicação?

Luís: O tema do trabalho infantil correspondeu ao terceiro módulo da disciplina, que teve no módulo 1 a reflexão sobre tráfico de pessoas e no módulo 2, sobre trabalho escravo. O trabalho infantil foi abordado a partir de quatro dimensões, todas conectadas: o conceito de Trabalho Infantil, o panorama do trabalho infantil no Brasil, as fontes de dados sobre trabalho infantil no Brasil e as campanhas de combate ao trabalho infantil no Brasil. Isto é, as discussões envolveram tanto aspectos teóricos como experiências práticas. Um aspecto muito importante deste módulo foi conhecer e dominar as fontes sobre trabalho infantil: foram apresentadas aos alunos três fontes: o Censo Demográfico, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a MUNIC, todas do IBGE. Exploramos juntos plataformas digitais que agrupam esses dados e, para o caso do Estado de São Paulo, utilizamos o “Banco Interativo – Populações Vulneráveis”, do Observatório das Migrações em São Paulo (NEPO / UNICAMP). Assim, os alunos conheceram com precisão o perfil do trabalho infantil no estado e no país. Os números apresentados, no entanto, são pessoas: por isso apresentei e discutimos alguns documentários sobre o tema, que mostram os rostos de pessoas que tiveram seus futuros comprometidos em razão do trabalho infantil, com lesões físicas e violências psicológicas permanentes. Do problema, fomos então ao desafio de sua superação: analisamos não apenas as campanhas em curso de enfrentamento ao trabalho infantil como também os mecanismos legais de denúncia e prevenção.

ITESP: Considerando a situação migratória atual no Brasil, como você percebe a interseção entre migração e trabalho infantil? Existem aspectos específicos dessa relação que merecem atenção especial por parte dos formuladores de políticas públicas e da sociedade em geral?

Luís: O trabalho infantil é uma violação estrutural do direito à infância que se manifesta a partir de condições de vulnerabilidade. Onde há vulnerabilidade, há trabalho infantil – como também tráfico de pessoas e trabalho escravo. A migração, seja ela voluntária ou não, também é impulsionada pela vulnerabilidade. A relação entre migração e trabalho infantil está, portanto, precisamente na permanência de situações de vulnerabilidade. Isto coloca um desafio importante: não basta retirar a criança da situação de trabalho, é preciso tirá-la da condição de vulnerabilidade. As políticas públicas devem, portanto, envolver meios de geração de trabalho digno a seus pais, acesso e permanência das crianças nas escolas e combate a formas de aliciamento. Devem ser mais amplas, compreender a questão como uma violação estrutural, que como tal só é solucionada por políticas e transformações também estruturais.

ITESP: Dentro do escopo do curso de mobilidade humana do ITESP, quais são os principais desafios enfrentados pelos migrantes em relação ao acesso ao mercado de trabalho, especialmente no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes contra o trabalho infantil? Como o curso aborda essas questões e busca fornecer ferramentas para lidar com esses desafios?

Luís: Os principais desafios são, em termos gerais, a promoção do trabalho decente dos pais, a regularização migratória e documental, a revalidação e reconhecimento de diplomas e o acesso e permanência das crianças à escola. Em termos de inserção no mercado de trabalho, é fundamental que haja trabalho formal, documentado, com acesso integral aos direitos. Este é um desafio à toda a força de trabalho no Brasil. Mas para que os imigrantes não sejam alvo preferencial de super exploração, o que traz consequências para toda a família e sobretudo às crianças, é preciso que estes estejam documentados (o que exige, por sua vez, uma nova anistia migratória por parte do Governo Federal, de modo a regularizar a situação de todos os imigrantes indocumentados no país), tenham mecanismos de proteção social e laboral, que os sindicatos lhes incorporem e compreendam suas especificidades, que possam exercer trabalhos dentro de sua área de formação técnica e profissional etc. Estas são medidas capazes de reduzir a condição de vulnerabilidade, isto é, capaz de enfrentar o trabalho infantil nas suas causas e condicionantes. Mas uma vez identificado o trabalho infantil, deve-se promover atenção socioassistencial à criança e sua família e culpabilização dos agentes que promoveram o aliciamento da criança. O curso abordou estes temas, não apenas a partir de reflexões teóricas como também de dados conjunturais e de relatos de pessoas que passaram por situação de trabalho infantil, nos documentários assistidos e discutidos. Os alunos, a meu juízo, se apropriaram muito bem destes conteúdos programáticos, o que revela que esta realidade já vem sendo, de muitas formas, visualizadas e mesmo enfrentadas por eles em sua atuação profissional.

Diante dos desafios complexos que envolvem o trabalho infantil e a mobilidade humana no século XXI, é fundamental promover uma abordagem integrada e holística que envolva a formação acadêmica, o engajamento da sociedade e a formulação de políticas públicas eficazes. A entrevista com o Professor Luís Felipe ressalta a importância de capacitar profissionais para enfrentar essas questões, destacando o papel crucial da educação e da sensibilização na erradicação do trabalho infantil e na promoção da inclusão e proteção dos migrantes. É urgente um compromisso coletivo para garantir um futuro digno e justo para todas as crianças e famílias em situação de vulnerabilidade, independentemente de sua origem ou condição social.

Por: Arison Lopes, Comunicação Institucional ITESP

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