Eleições nos EUA e seus impactos no acolhimento de migrantes: desafios e respostas da teologia e da pastoral social

Reprodução/Joshua Hoehne/Unsplash

As últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos reacenderam debates globais sobre políticas migratórias, principalmente em um contexto de endurecimento das restrições à entrada de migrantes e refugiados. Historicamente, governos de orientação conservadora nos EUA têm adotado políticas mais rígidas em relação à imigração, acompanhadas de narrativas anti-imigrantista que frequentemente vinculam migração a insegurança e instabilidade econômica. No entanto, como destaca o Prof. Dr. Paolo Parisi, as deportações têm sido uma prática constante, independentemente do partido no poder, revelando uma continuidade preocupante na abordagem restritiva dos EUA em relação aos fluxos migratórios.

Essa realidade tem impactos profundos não apenas nas fronteiras americanas, mas também em países de trânsito, como o Brasil, que se tornou rota de passagem para migrantes asiáticos e africanos em direção aos EUA. A pressão política para dificultar essas rotas intensifica os desafios enfrentados pelas comunidades migrantes, muitas vezes já marcadas por vulnerabilidades extremas.

Nesse cenário global adverso, a teologia e a pastoral social têm a missão de oferecer respostas que vão além da denúncia das injustiças. Acompanhe a entrevista completa com o Prof. Paolo Parisi:

ITESP: Prof. Paolo, considerando o endurecimento das políticas migratórias que geralmente acompanham governos mais conservadores nos EUA, como o trabalho pastoral e social da Igreja com migrantes e refugiados em São Paulo pode ser impactado por novas políticas americanas que dificultem o asilo e proteção a imigrantes? Como a Igreja e a teologia poderiam atuar para oferecer suporte e esperança a esses grupos em face de um contexto político global cada vez mais hostil?

Paolo Parisi: É sabido que o discurso anti-imigração é uma das pautas da direita e extrema-direita, conectado à xenofobia e ao nacionalismo. Essa postura ideológica capta os medos e insatisfações populares, muitas vezes com a justificativa de ameaça à segurança nacional e risco de violência. 

Contudo, é necessário fazer uma observação em relação aos discursos de campanha eleitoral, que visam empolgar a base militante, e as políticas efetivamente implementadas durante o mandato. De fato, durante o governo Obama, o número de deportações foi superior ao registrado no período de Trump. No governo Obama, o total de deportações ultrapassou 385 mil por ano fiscal entre 2009 e 2011, alcançando o auge em 2012, com 409 mil deportações. Já no primeiro governo Trump, as deportações caíram para cerca de 226 mil no ano fiscal de 2017, subindo para mais de 250 mil em 2018. Fica claro que as deportações são uma prática constante nos governos dos EUA, sendo que, em alguns casos, um presidente democrata pode superar em deportações um presidente republicano. 

Isso, no entanto, não significa que se deva ignorar as promessas eleitorais e os discursos fortemente xenófobos. Essas afirmações, infelizmente, reforçam a rejeição aos imigrantes, culpabilizando-os por muitos dos problemas sociais. 

As consequências dessas posturas começaram a se acentuar nos últimos anos, quando o Brasil se tornou uma rota de entrada e passagem de migrantes do continente asiático e africano rumo aos EUA. De maneira indireta, percebeu-se uma pressão para dificultar a entrada no Brasil de pessoas que buscam utilizar essa rota migratória. 

ITESP: Diante das narrativas anti-imigração que muitas vezes ganham força em governos com um viés mais restritivo, como o atual nos EUA, de que forma a teologia e a pastoral social podem ajudar a construir um discurso de empatia e acolhimento que contraponha essas visões, reforçando a dignidade humana dos migrantes e refugiados e promovendo um espírito de solidariedade entre as nações?

Paolo Parisi: Obviamente, diante de situações complexas, não existe uma receita mágica, mas um conjunto de ações que podem construir discursos de acolhimento e promover ações reais de inclusão e solidariedade. Acredito que seja importante construir narrativas positivas nas quais transpareçam histórias de integração e convivência. Ao mesmo tempo, é essencial recuperar a memória da história da formação do país, fruto do encontro de diversos movimentos migratórios. 

Entre as ações, além daquelas voltadas ao acolhimento e à integração, são fundamentais iniciativas de advocacy e incidência política para melhorar as legislações e políticas migratórias. No contexto eclesial, é imprescindível que as comunidades assumam essa realidade dentro das ações pastorais ordinárias e não deleguem as respostas apenas a congregações ou grupos específicos. 

ITESP: No cenário de um governo dos EUA que prioriza políticas de contenção migratória e investimentos militares, qual seria o papel da teologia e da Igreja na prevenção de violações dos direitos humanos de migrantes e refugiados, bem como na promoção de uma visão de paz global? Como podemos, a partir da teologia, construir um discurso preventivo e de resistência que auxilie na proteção da dignidade humana em meio a políticas internacionais que muitas vezes não levam em conta as condições dos mais vulneráveis?

Paolo Parisi: A teologia é chamada a dialogar com esta realidade concreta. Se, no passado, ela iniciava a elaboração de suas reflexões conversando com a filosofia, hoje é a realidade, o contexto concreto, o ponto de partida. E mais: não qualquer realidade, mas aquela onde se encontram os rostos sofridos de Jesus, entre eles os dos migrantes. 

A teologia é também chamada a se juntar ao esforço das teologias de outras tradições religiosas, em um diálogo fecundo, para colocar a vida do ser humano e do planeta no centro. O mesmo mecanismo perverso que gera refugiados, migrantes, pobres e excluídos é aquele que provoca as mudanças climáticas. Por esta razão, as respostas devem ser mais holísticas, cientes de que o modelo atual de desenvolvimento não tem futuro, nem para o ser humano, nem para o planeta.

Para o Brasil, país que acolhe migrantes de diferentes partes do mundo, os desafios se multiplicam diante das pressões externas e das políticas globais de contenção migratória. Nesse contexto, as reflexões teológicas e pastorais desenvolvidas no país são essenciais para fortalecer o trabalho com migrantes e refugiados, promovendo uma prática transformadora que reflita a compaixão e o amor ensinados por Jesus.

Assim, em tempos de barreiras políticas e discursos de exclusão, a Igreja é desafiada a ser um farol de esperança, resistência e ação concreta em favor dos mais vulneráveis, reafirmando sua missão de ser um instrumento de justiça e dignidade para todos.

Por: Arison Lopes, Comunicação ITESP.

Imagem: Reprodução/Joshua Hoehne/Unsplash

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